Da I Grande Guerra<br> aos nossos dias

António Rodruigues

«A guerra eu­ro­peia, que foi pre­pa­rada no de­curso de de­cé­nios pelos go­vernos e pelos par­tidos bur­gueses de todos os países, re­bentou. O au­mento dos ar­ma­mentos, a ex­trema agu­di­zação da luta pelos mer­cados na época do es­tádio ac­tual, im­pe­ri­a­lista, de de­sen­vol­vi­mento do ca­pi­ta­lismo nos países avan­çados e os in­te­resses di­nás­ticos das mo­nar­quias mais atra­sadas, as da Eu­ropa Ori­ental, de­viam con­duzir ine­vi­ta­vel­mente, e con­du­ziram, a esta guerra. Con­quistar terras e sub­jugar na­ções es­tran­geiras, ar­ruinar a nação con­cor­rente, sa­quear as suas ri­quezas, des­viar a atenção das massas tra­ba­lha­doras das crises po­lí­ticas in­ternas da Rússia, Ale­manha, In­gla­terra e de ou­tros países, a de­su­nião e o en­ton­te­ci­mento na­ci­o­na­lista dos ope­rá­rios e o ex­ter­mínio da sua van­guarda com o ob­jec­tivo de de­bi­litar o mo­vi­mento re­vo­lu­ci­o­nário do pro­le­ta­riado — tal é o único real con­teúdo, sig­ni­fi­cado e sen­tido da ac­tual guerra

V. I. Lé­nine (Se­tembro/​1914)

O Go­verno e o Mi­nis­tério da De­fesa Na­ci­onal, a pro­pó­sito do cen­te­nário da I Guerra Mun­dial, estão a pro­mover um con­junto de ce­ri­mó­nias com o ob­jec­tivo de re­lem­brar o sa­cri­fício dos nossos an­te­pas­sados e o en­qua­dra­mento po­lí­tico em que o nosso País par­ti­cipou no con­flito. Mas as­si­nalar os 100 anos da Guerra 14-18 não pode ser apenas o as­si­nalar de uma efe­mé­ride, ape­lando ao sen­ti­men­ta­lismo e ao pa­tri­o­tismo oco.

É pre­ciso re­lem­brar que se a I Guerra Mun­dial foi, sem dú­vida, uma das grandes tra­gé­dias da hu­ma­ni­dade, ela foi também o re­sul­tado de uma in­tensa dis­puta entre as po­tên­cias eu­ro­peias oci­den­tais, com as suas classes do­mi­nantes a de­gla­di­arem-se pelo do­mínio dos re­cursos, dos con­ti­nentes e dos povos, pro­vo­cando mi­lhões de ví­timas.

É pre­ciso re­lem­brar que, 100 anos pas­sados e agora sob a capa da glo­ba­li­zação, a Hu­ma­ni­dade está con­fron­tada com grandes pe­rigos, fruto das po­si­ções do im­pe­ri­a­lismo cujos in­te­resses e am­bi­ções ili­mi­tados, es­pe­zi­nhando o di­reito in­ter­na­ci­onal e sus­ten­tados numa agres­siva acção mi­litar e numa in­tensa cor­rida aos ar­ma­mentos, visam as­se­gurar o acesso a re­cursos e ma­té­rias primas. E se o de­sen­ca­dear da I Guerra Mun­dial foi também o início de um ca­minho que con­duziu à Re­vo­lução So­ci­a­lista de Ou­tubro, um pri­meiro rasgo para a li­ber­tação do homem e da Hu­ma­ni­dade, hoje es­tamos pe­rante um im­por­tante re­tro­cesso ci­vi­li­za­ci­onal nos di­reitos dos tra­ba­lha­dores e dos povos, como aquele a que as­sis­timos no nosso País.

Es­tamos pe­rante uma in­tensa e vi­o­lenta ofen­siva mi­li­ta­rista. Mas esta é apenas uma das faces dos pe­rigos que temos de en­frentar. Pa­ra­le­la­mente, in­ten­si­fica-se a im­po­sição de um brutal re­tro­cesso ci­vi­li­za­ci­onal no plano dos di­reitos so­ciais, la­bo­rais e de­mo­crá­ticos dos tra­ba­lha­dores e dos povos, e de­sen­volve-se uma avas­sa­la­dora ofen­siva ide­o­ló­gica que visa ma­ni­pular e do­mes­ticar as opi­niões pú­blicas.

A ofen­siva do im­pe­ri­a­lismo, hoje sob a ba­tuta dos EUA e da NATO, con­tinua a pro­mover focos de tensão a nível mun­dial, no­me­a­da­mente no Médio Ori­ente, pro­cu­rando travar e es­magar forças e povos que pro­ta­go­nizam pro­cessos pro­gres­sistas e afir­ma­ções de so­be­rania, no quadro de uma ampla luta anti-im­pe­ri­a­lista.

É neste quadro, e no âm­bito de uma es­tra­tégia do re­forço da sub­missão do nosso País face à União Eu­ro­peia e à NATO, que im­porta também su­bli­nhar as ten­ta­tivas de criar novos laços de en­vol­vi­mento e de­pen­dência das nossas Forças Ar­madas no sen­tido de as obrigar a par­ti­lhar meios e mis­sões de so­be­rania, pro­cu­rando trans­formá-las numa força re­si­dual e pre­pa­rando-as so­bre­tudo para mis­sões in­ter­na­ci­o­nais no âm­bito de forças mul­ti­na­ci­o­nais, não numa si­tu­ação de igual­dade ou re­ci­pro­ci­dade de van­ta­gens e de­fesa dos in­te­resses na­ci­o­nais, mas sim sub­me­tendo-as aos ob­jec­tivos es­tra­té­gicos das grandes po­tên­cias. Isto, a par de um sis­te­má­tica ten­ta­tiva de en­volver as Forças Ar­madas em mis­sões de se­gu­rança in­terna e de um longo pro­cesso de des­man­te­la­mento da ins­ti­tuição mi­litar, tal como cons­ti­tu­ci­o­nal­mente a co­nhe­cemos, com li­mi­tação de meios fi­nan­ceiros, hu­manos e a de­gra­dação da Con­dição Mi­litar, en­quanto ao nível do equi­pa­mento e da ope­ra­ci­o­na­li­dade se ve­ri­fica um des­fa­sa­mento entre as ne­ces­si­dades na­ci­o­nais e os meios ade­quados exis­tentes. Cada vez mais o re­e­qui­pa­mento mi­litar tem como ob­jec­tivo a par­ti­ci­pação em mis­sões in­ter­na­ci­o­nais e as al­te­ra­ções na es­tru­tura su­pe­rior das Forças Ar­madas visam, pri­o­ri­ta­ri­a­mente, uni­for­mizar mo­delos de gestão ao nível in­ter­na­ci­onal e da NATO, não tendo em conta a his­tória, a cul­tura e a tra­dição na­ci­o­nais e das nossas Forças Ar­madas.

Por­tugal pre­cisa de uma es­tra­tégia na­ci­onal e pa­trió­tica, ali­cer­çada num pen­sa­mento es­tra­té­gico pró­prio, sus­ten­tado nos va­lores e prin­cí­pios cons­ti­tu­ci­o­nais, con­tra­ri­ando a sub­missão aos in­te­resses de ou­tros.

O Mundo vive uma si­tu­ação de con­flito. Mas em 2014 como há 100 anos, a luta pela paz é uma das ba­ta­lhas cen­trais contra as grandes po­tên­cias im­pe­ri­a­listas  que pro­curam suster o seu de­clínio eco­nó­mico através de uma in­tensa ofen­siva ide­o­ló­gica e mi­litar com o ob­jec­tivo de sub­meter os povos e manter o seu do­mínio sobre re­cursos, ma­té­rias-primas e po­si­ções ge­o­es­tra­té­gicas.




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